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domingo, 27 de março de 2011

Inside Job.

Nem sequer comentei nenhum filme concorrente ao Oscar, pois achei todos fracos, com exceção (com restrições) de Bravura Indômita (mas era refilmagem) e Cisne Negro (regular apenas). Quando vi um filmeco besta como “A Rede Social”, sério candidato a futuras sessões da tarde, concorrer com empáfia, mostrando como a equação bando de imbecis somados = um ou poucos milionários (lembra até o carnaval baiano) é verdadeira, confesso que desanimei. Fora alguns Oscars justos para atores, também desanimei quando vi os concorrentes de Toy Story 3 para melhor animação (como já havia dito, não consegui entender a pouca projeção do grande e irreverente “Megamind”, que sequer concorreu). Até os filmes estrangeiros não chegaram na sombra dos concorrentes do ano passado.

Mas eis que me deparei com o ganhador de melhor documentário e tive uma grata surpresa: foi disparado o que teve de melhor no Oscar. Talvez, nos últimos anos até. Monumental, grandioso e outros adjetivos superlativos e redundantes. Qualquer outro documentário, inclusive o brasileiro, não teria mesmo a mínima chance diante desta obra prima. Recomendo que todos vejam com atenção o filme, especialmente os economistas e os que se dizem políticos.

Resumindo: A crise das empresas “feitas de ar”, as “pontocom”, em 2001, levou o FED a piorar a desregulação. Barateou empréstimos e financiamentos para encorajar consumidores e empresas a voltarem à gastança desenfreada. Isso se refletiu na compra de imóveis e no sistema de hipotecas, com as pessoas hipotecando suas casas a rodo, para comprar mais imóveis e continuar hipotecando. Grandes empresas hipotecárias começaram a emprestar dinheiro para uma classe de maus pagadores e inadimplentes (“subprime”, como são chamados). Absurdo foi tanto que a Fannie Mae e a Freddie Mac (duas grandes hipotecárias) detinham quase metade dos US$12 trilhões (sim, trilhões) em hipotecas dos EUA. Quatro em cada cinco hipotecas eram revendidas, com o descalabro de somente uma permanecer com o credor original. As financiadoras desse crédito venderam essas carteiras de dívidas para bancos de investimento. Os investidores recebiam o valor emprestado e mais o juro que, no segmento “subprime”, é bem maior, pois maior o risco, maior o retorno. O aumento de juros do FED, os não pagamentos de hipotecas e a crise de confiança que surgiu. Os bancos, com uma alavancagem praticamente do tamanho de um planeta, começaram a ter problemas de insolvência. O tradicional banco de investimento estadunidense Lehman Brothers, fundado em 1850, faliu. Em poucos dias falia também a maior empresa seguradora dos Estados Unidos da América, a American International Group (AIG). Não se pode “segurar” nada quando faltam cordas e braços...

O governo norte americano, que se recusara a oferecer garantias para que o banco inglês Barclays adquirisse o controle do cambaleante Lehman Brothers, alarmado com a rápida “metastatização” da crise falimentar, resolveu, em vinte e quatro horas, injetar oitenta e cinco bilhões de dólares de dinheiro público na AIG, para salvar suas operações. A crise logo atingiu o mundo inteiro. O ambiente de pânico generalizado era tanto, como mostra o filme, que a queda monumental no preço de um montante de imóveis levou a uma desvalorização generalizada dos preços de praticamente todos. Para evitar o colapso total, o governo norte-americano reestatizou as agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, privatizadas em 1968, por tempo indeterminado. Como disse George Soros no filme em questão: compare a economia a um enorme navio petroleiro; ele não afunda com o balanço do mar que desloca a grande quantidade de petróleo no seu interior, pois é compartimentado; no momento em que os compartimentos quebram ou se interligam, ocorre a catástrofe.

“Inside Job” mostra as origens da crise econômica de 2008, o que foi ela e como ficou a situação após ela. A crise que teve a sua origem, na verdade, já com a desregulamentação do sistema financeiro americano na era Reagan (e não em 2001), foi se configurando nos governos posteriores. E vai continuando, com intervenções fracas ou inócuas do governo Obama, que chegou ao descalabro de nomear pessoas envolvidas diretamente em fraudes e no pivô da crise para cargos importantes, mostrando que republicanos e democratas trabalham juntos para os mesmos patrões. Ninguém envolvido praticamente sofreu punição nenhuma e muita gente pulou do barco mais milionária ainda.

O grandioso documentário é de uma contundência mordaz já no cartaz, quando diz “The film that cost over U$ 20,000,000,000,000 to make”. Nem a lavagem de dinheiro dos bancos com cartéis de droga, grupos guerrilheiros e prostituição deixa de ser mostrada. Os digníssimos executivos colocavam despesas com drogas e com prostitutas como despesas de trabalho, pagas pelos bancos, ou melhor, pelos investidores e posteriormente pelos contribuintes. Com narração de Matt Damon, o filme não só nos mostra a crua situação econômica em que vivemos, como também nos leva a várias reflexões:

1- Há algo de podre no sistema democrático capitalista. Parece cada vez mais absurdo viver em um sistema que não controla mais nada, permite especulações de derivativos a rodo, engodo dos investidores, corrupção solta aliada ao governo e que, principalmente no Brasil, deixa pessoas miseráveis ter filhos às pencas, deixa os transportes coletivos à míngua para regozijo das montadoras e dos engarrafamentos e vive com um poder legislativo que só faz besteiras respaldado por um judiciário leniente. Mas, então, qual seriam as alternativas ao sistema democrático capitalista, onde muito poucos levam "o melhor", poucos levam a melhor e a maioria sustenta tudo isso ou nem sequer se sustenta? Temo e tremo só de pensar em algumas...

2- Cada país é um universo diferente. As privatizações massacraram e afundaram a Islândia, como é mostrado de forma dramática no início do filme. As privatizações bancárias foram catastróficas, com o absurdo de banqueiros tomando milhões emprestados de forma escusa dos seus próprios bancos, mergulhados em uma alavancagem brutal, para comprar suas luxuosas posses, nunca pagando de volta, levando-os à falência.

3- Sim, caro amigo. Eu, você, a garotinha mais ou menos bonitinha da escola, qualquer cidadão comum e também o bando de pessoas que se acham grande coisa, desde alguns pedantes professores e pesquisadores (de nada) universitários, escritores, atores e cantores medíocres de sucesso duvidoso e até exibicionistas de facebooks, orkuts, youtubes e BBBs da vida, não passamos de nada, de amebas em meio a paramécios e bactérias, quando comparados aos gigantescos tubarões e orcas que mandam e desmandam no mundo. Se alguns pobres coitados pensam em alguns milhares ou milhões em toda a sua vida, esses predadores monstruosos trabalham com milhões ou bilhões no seu dia a dia e não fazem muita questão de aparecer ostensivamente. Aparecer é para a gentalha e os “bregas”. Os que acreditam que influenciam gente mais acéfala ainda. Por isso o ser humano recorre a Deus, para acreditar que alguém se preocupa com ele. Não fosse assim, enlouqueceria.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O jogo que me fez gostar de futebol.


Pode parecer estranho, mas o jogo que me fez gostar de futebol não foi assistido em um estádio. Não tinha meu time presente. Foi assistido em uma televisão ainda em preto e branco, em 1975, quando eu tinha já dez anos. Mas tinha dois grandes times de cada lado, como não existem mais no nosso Brasil. Mas tinha um verdadeiro futebol, que me encantou para sempre, que jamais saiu de minha memória. Um futebol onde havia craques de verdade, jogadores que jogavam duas a três vezes por semana e não se cansavam nem se contundiam. Público de verdade, que lotava estádios. Juízes que, apesar das mesmas deficiências de sempre, não prendiam o jogo marcando faltinhas ridículas e distribuindo cartões a rodo. Não havia boicotes escandalosos de jogadores, desmanches de times, mudanças sem sentido de camisas e escudos para vender uniformes a preço de ternos finos. Mas tinha, sobretudo, meu pai do meu lado. E torcíamos neste dia para o mesmo time ganhar.

Era um domingo. Dia 07 de dezembro de 1975. As semifinais do campeonato brasileiro eram disputadas entre os dois melhores colocados de dois grupos de oito times, em partida única na casa dos primeiros colocados. A partida em questão era entre o Fluminense, chamado “A Máquina”, tamanho seu poder de destruição, primeiro colocado no grupo A (o segundo foi o Cruzeiro) e o Internacional, um dos maiores times que jamais existiram nos anos 70, segundo do grupo B (o primeiro foi o Santa Cruz, à época o rei do Norte-Nordeste). O cenário era o Maracanã, o maior estádio do mundo (hoje transformado em um anão disforme, pela europeização do nosso futebol). O público, 97.908, comum para aquela época. O Fluminense jogaria com Félix, Toninho, Silveira, Edinho e Marco Antônio; Zé Mário (Carlos Alberto Torres), Paulo César Caju e Rivelino; Gil, Manfrini e Zé Roberto (Cléber). Seu técnico era Didi. O Internacional, com Manga, Valdir, Figueroa, Hermínio e Chico Fraga; Caçapava, Paulo César Carpegiani e Falcão; Valdomiro (Jair), Flávio e Lula. Seu técnico era Rubens Minelli. À frente da modesta televisão, meu pai, torcedor ferrenho do Galícia, e eu, filho único, torcedor do então grande Bahia, para desgosto dele (em um tempo onde os filhos ainda se preocupavam em agradar os pais, cansei de dar apoio a ele em jogos do Galícia na Fonte Nova). Torcíamos para que o Inter derrubasse a “Máquina” em pleno Maracanã. Eu, confesso, morria de medo do Fluminense e não tinha muita fé. Perguntava ao meu pai se o Inter conseguiria tal façanha, e ele, olhando para mim sorrindo, sabendo tudo de futebol, dizia: “fácil, fácil, vai dar Inter”. E foi o que vimos. Um jogo maravilhoso, de pura técnica, onde o Inter parecia não tomar conhecimento do grandioso Flu. Não o enfrentava de igual para igual, mas o superav e o envolvia em jogadas imortais. Prendia-o com uma tática magnífica. Uma defesa onde Figueroa reinava absoluto. Um meio campo espetacular (Falcão e Carpegiani!) e um ataque "matador". Coisa de filme. Lula fez 1x0 aos 33 minutos do primeiro tempo. O Inter mandava e desmandava, embora o Flu, também recheado de craques, jogasse bem. Desmontava calmamente a letal “Máquina” com uma precisão impressionante. Carpegiani marcou 2x0 aos 29 do segundo tempo e despachou um grandioso rival de uma vez por todas.

A partir desse dia passei a acompanhar de verdade futebol. Passei até a ler a revista Placar (a verdadeira) toda semana. Os jogos que me afastaram do futebol eu nem me lembro, tantos que foram nos últimos anos. Na outra semifinal, o Cruzeiro, que tinha também um time épico (seria campeão da Libertadores de 1976) ganhava do maior time que o Santa Cruz já teve, por 3x2, em Recife. No dia 14 de dezembro de 1975, o Inter sagrou-se campeão ao ganhar de 1x0 d0 Cruzeiro no Beira Rio, gol de Figueroa aos 11 minutos do segundo tempo. Essa seria a última partida que eu e meu pai veríamos juntos. Pouco mais de três meses depois, ele faleceria na data de 15 de março de 1976, há exatos 35 anos atrás. No atestado de óbito, edema pulmonar por falência cardíaca. Típica e frequente saída que os médicos usam até hoje quando são incapazes, ou mesmo incompetentes, de descobrir o que matou o paciente.