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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Menino.


Nesse mesmo dia, há anos passados, nascia um menino. Menino como qualquer outro, destinado a ser qualquer um. Morava em uma ruazinha pobre em um pobre bairro incrustado no centro de uma capital brasileira. Mas era feliz. Podia brincar na rua com seus inúmeros amigos que jamais veria de novo quando crescesse. Por ter sido filho único, teve condições de estudar em um dos melhores colégios. Mas aí na escola vivia maus momentos por ser gordo e ter uma aparência esquisita, usando feios óculos, ter a pele relativamente clara, mas os cabelos crespos. Aquilo que hoje passaria despercebido e seria condenado por todos como discriminatório, era prática comum o zombar de quem não obedecesse a certo padrão estético. Com poucas chances na vida, o menino acreditou que valia a pena estudar. Foi crescendo, sempre sendo o melhor da sua classe. “Todo menino é um rei, eu também já fui rei”, dizia a música. Aos 11 anos, após ter vivenciado a perda de tios e primos, sofreu um rude golpe que transformaria sua vida: perderia seu pai, grande amigo de ensinamentos, leituras, música e, não tanto quanto a mãe, de diversão. A causa foi uma doença nunca elucidada, de forma repentina. Teve que se mudar por duas vezes, continuando sua vida cada vez mais só, estudando e sendo o primeiro da classe. Acabou tendo infância, mas não teve adolescência. Só foi namorar com mais de 20 anos. Cursou duas faculdades. Jamais fez sequer uma final. Se com 7 e 8 anos já vivia lendo enciclopédias de animais, Monteiro Lobato e a obra completa dos irmãos Grimm, com 11 a 14, além dos inseparáveis quadrinhos, já lia Bocaccio, Dante, Dostoiévski, Balzac, Dickens, etc., além de vários escritores nacionais, como quase toda a obra de Jorge Amado. Aos 24 anos, já ensinava na faculdade. Só sabia apreciar uma música, a erudita. Sua mãe foi seu sustentáculo por quase toda a vida. Ia envelhecendo. Namorava pouco, por força da timidez e da aparência desajeitada e mal vestida e bebia tanto quanto estudava. Foi católico e depois ateu. Fez mestrado e doutorado em um tempo em que esses títulos não eram para qualquer técnico de laboratório ou compilador de livros e artigos. Mais tarde, seria evangélico, largaria a bebida e casaria com a mulher que mais amou e teria o filho que sempre sonhava ter. Um filho amigo e companheiro. Como nunca soube ganhar dinheiro, por sorte perdia pouco e tinha o suficiente. Mas sua frustração crescia cada vez mais profissionalmente, a ponto de detestar o que fazia. Perdeu a mãe, companheira de diversos sofrimentos. Tornou-se um fóssil vivo, cada vez mais só, embora contando com a esposa e o filho amados, sem objetivos profissionais, sem esperanças de progredir na vida, triste e deprimido, com humor flutuante, doente e incompreendido, entregue a medicamentos diversos e preso a um passado que não existirá nunca mais, incapaz de se adaptar aos costumes atuais e inversões de valores, ciente de que tudo o que estudou de nada valeu e pouco lhe contribuiu. Quase toda noite tem pesadelos, quando tinha bons sonhos. Dizem que às vezes volta à rua de sua infância e olha saudoso, com lágrimas nos olhos, para a janela do apartamentozinho pobre onde morou e foi feliz, em um prédio antigo que teima em existir. De menino precoce, assumiu uma velhice precoce. E assim é até agora, aguardando o fim dos seus tempos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Megamind!




Tanto Megamind quanto Toy Story 3 são fantásticos. Obviamente, como qualquer filme, principalmente desenhos, vão ter mesmo que conter alguns lugares comuns, como lições de vida, mas são bem vindas e até reflexivas em Megamind.

Toy Story 3 retoma a história 11 anos depois. Mantém a perfeição e a magia dos personagens. As tiradas continuam ótimas e a gozação com a metrossexualidade (sinceramente nunca vou entender o que seja isso) do boneco Ken é muito boa.

Mas, sem sombra de dúvidas, Megamind é um dos melhores desenhos que já vi. Para mim foi o melhor filme de 2010. Tem poucos lugares comuns, é completamente transgressor, cômico, de uma paródia mordaz com referências brilhantes a inúmeros super-heróis dos quadrinhos e uma história ótima.

Megamind (Megamente) nos mostra o que aconteceria a um super-vilão caso ele finalmente destruísse o seu super-herói arquiinimigo, no caso Metroman, de uma forma cômica. Ambos são alienígenas, numa referência espetacular a Superman (Metroman, aliás, é tão chato e presepeiro quanto Superman, mas ainda consegue ser mais exibicionista). A referência continua quando Megamind se disfarça do pai de Superman, com a cara de Marlon Brando. Enquanto a nave de um cai em uma família boa e rica (na Casa Branca), Megamind termina caindo em um presídio. Na verdade, Megamind termina como vilão como fruto da rejeição das pessoas (que seria de Hitler se fosse um grande pintor antes de tomar o poder na Alemanha?). Megamind faz questão de ser o típico vilão estereotipado, tendo até uma vestimenta e capa especialmente criadas. Com a queda de Metroman, sem seu inimigo para lutar (e quase sempre perder), Megamind termina se entediando, perdendo o objetivo principal da sua vida e se cansando da moleza com que consegue levar o caos, o terror e o banditismo à população. Vi muitos esportistas, aliás, perderem a graça quando perderam o desafio do seu eterno rival. Hollyfield definhou após derrotar Tyson, sua obsessão, por duas vezes. Alain Prost, após a morte de Senna, seu maior competidor e inimigo, chegou a declarar que o automobilismo tinha perdido o sentido para ele.

Megamind conta com um bom elenco, como Will Ferrell no papel de Megamind, Tina Fey como Rosana, e Brad Pitt como Metroman, além do emergente Jonah Hill (muito melhor que o seu companheiro em “Superbad”, o homem sem face do cinema, Michael Cera) como Titan. Titan, aliás, é a criação de Megamind para substituir Metroman após a sua morte, dando-lhe um adversário. O tiro sai pela culatra e aí temos a maior transgressão já vista em um desenho: o pretenso novo super-herói não quer nada com a luta contra o crime, mas sim bagunçar mais ainda. Megamind vai ter que lutar contra outro criminoso e viver o dilema se é bom ou mau. Nesse ponto, principalmente, está a grandiosidade do filme, mostrando que nenhum mortal é completamente bom ou mal. E o principal pivô da discórdia, imaginem, é uma mulher (e nem é uma daquelas musas), a repórter Rosana, com o filme gozando com todo o poder de controle que a mulher exerce sobre os homens e sobre o mundo, só por ser... mulher! A segunda maior tirada do filme surge quando Megamind sofre uma derrota para Titan e exclama para ele, alegremente, que agora era a hora em que o herói mandava o vilão para a cadeia. Titan lhe responde que agora era a hora de enviá-lo para o necrotério... A primeira grande tirada é o mote (gozação com Obama) estampado na cidade por Megamind, que passa a ser um dos meus favoritos: “No, you can’t!”

A trilha sonora cai como uma luva, com direito a ressuscitar em grande estilo músicas do Guns n’Roses e de Michael Jackson. Apesar da crítica ter caído de amores pelo também excelente Toy Story 3, ouso preferir Megamind, que me surpreendeu até mais que o primeiro Shrek (dos mesmos criadores) e bate em sátira o bom “Os Incríveis”. Aliás, não estou ligando muito para indicações da crítica e altos índices no IMDB. Principalmente porque o aclamado “Scott Pilgrim” achei uma babaquice sem limites, com um enredo simplesmente ridículo, onde um bando de otários disputa uma promíscua trubufu, que mais parece oligofrênica grave, em lutas patéticas. Seria infantil, não fosse a insistência atual do cinema e da mídia em agradar e fisgar a audiência dos GLS (aos “enchedores de saco” de plantão: não faço aqui nenhum comentário pejorativo ou preconceituoso a essa turma, por favor), influenciando alguns jovens de cabeça oca. Os atores são horrorosos e mais uma vez Michael Cera faz jus ao sobrenome, pois é de fato feito de cera. Tem a mesma expressão e falta de entonação e emoção em todos os filmes que faz. Não sei como chegou tão longe. Nem tenho a mínima vontade de conhecer os tais quadrinhos e o famigerado jogo em que se baseou “Scott Pilgrim”. A única coisa que transgrediu foi minha paciência.

No, you can’t!