Nem sequer comentei nenhum filme concorrente ao Oscar, pois achei todos fracos, com exceção (com restrições) de Bravura Indômita (mas era refilmagem) e Cisne Negro (regular apenas). Quando vi um filmeco besta como “A Rede Social”, sério candidato a futuras sessões da tarde, concorrer com empáfia, mostrando como a equação bando de imbecis somados = um ou poucos milionários (lembra até o carnaval baiano) é verdadeira, confesso que desanimei. Fora alguns Oscars justos para atores, também desanimei quando vi os concorrentes de Toy Story 3 para melhor animação (como já havia dito, não consegui entender a pouca projeção do grande e irreverente “Megamind”, que sequer concorreu). Até os filmes estrangeiros não chegaram na sombra dos concorrentes do ano passado.
Mas eis que me deparei com o ganhador de melhor documentário e tive uma grata surpresa: foi disparado o que teve de melhor no Oscar. Talvez, nos últimos anos até. Monumental, grandioso e outros adjetivos superlativos e redundantes. Qualquer outro documentário, inclusive o brasileiro, não teria mesmo a mínima chance diante desta obra prima. Recomendo que todos vejam com atenção o filme, especialmente os economistas e os que se dizem políticos.
Resumindo: A crise das empresas “feitas de ar”, as “pontocom”, em 2001, levou o FED a piorar a desregulação. Barateou empréstimos e financiamentos para encorajar consumidores e empresas a voltarem à gastança desenfreada. Isso se refletiu na compra de imóveis e no sistema de hipotecas, com as pessoas hipotecando suas casas a rodo, para comprar mais imóveis e continuar hipotecando. Grandes empresas hipotecárias começaram a emprestar dinheiro para uma classe de maus pagadores e inadimplentes (“subprime”, como são chamados). Absurdo foi tanto que a Fannie Mae e a Freddie Mac (duas grandes hipotecárias) detinham quase metade dos US$12 trilhões (sim, trilhões) em hipotecas dos EUA. Quatro em cada cinco hipotecas eram revendidas, com o descalabro de somente uma permanecer com o credor original. As financiadoras desse crédito venderam essas carteiras de dívidas para bancos de investimento. Os investidores recebiam o valor emprestado e mais o juro que, no segmento “subprime”, é bem maior, pois maior o risco, maior o retorno. O aumento de juros do FED, os não pagamentos de hipotecas e a crise de confiança que surgiu. Os bancos, com uma alavancagem praticamente do tamanho de um planeta, começaram a ter problemas de insolvência. O tradicional banco de investimento estadunidense Lehman Brothers, fundado em 1850, faliu. Em poucos dias falia também a maior empresa seguradora dos Estados Unidos da América, a American International Group (AIG). Não se pode “segurar” nada quando faltam cordas e braços...
O governo norte americano, que se recusara a oferecer garantias para que o banco inglês Barclays adquirisse o controle do cambaleante Lehman Brothers, alarmado com a rápida “metastatização” da crise falimentar, resolveu, em vinte e quatro horas, injetar oitenta e cinco bilhões de dólares de dinheiro público na AIG, para salvar suas operações. A crise logo atingiu o mundo inteiro. O ambiente de pânico generalizado era tanto, como mostra o filme, que a queda monumental no preço de um montante de imóveis levou a uma desvalorização generalizada dos preços de praticamente todos. Para evitar o colapso total, o governo norte-americano reestatizou as agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, privatizadas em 1968, por tempo indeterminado. Como disse George Soros no filme em questão: compare a economia a um enorme navio petroleiro; ele não afunda com o balanço do mar que desloca a grande quantidade de petróleo no seu interior, pois é compartimentado; no momento em que os compartimentos quebram ou se interligam, ocorre a catástrofe.
“Inside Job” mostra as origens da crise econômica de 2008, o que foi ela e como ficou a situação após ela. A crise que teve a sua origem, na verdade, já com a desregulamentação do sistema financeiro americano na era Reagan (e não em 2001), foi se configurando nos governos posteriores. E vai continuando, com intervenções fracas ou inócuas do governo Obama, que chegou ao descalabro de nomear pessoas envolvidas diretamente em fraudes e no pivô da crise para cargos importantes, mostrando que republicanos e democratas trabalham juntos para os mesmos patrões. Ninguém envolvido praticamente sofreu punição nenhuma e muita gente pulou do barco mais milionária ainda.
O grandioso documentário é de uma contundência mordaz já no cartaz, quando diz “The film that cost over U$ 20,000,000,000,000 to make”. Nem a lavagem de dinheiro dos bancos com cartéis de droga, grupos guerrilheiros e prostituição deixa de ser mostrada. Os digníssimos executivos colocavam despesas com drogas e com prostitutas como despesas de trabalho, pagas pelos bancos, ou melhor, pelos investidores e posteriormente pelos contribuintes. Com narração de Matt Damon, o filme não só nos mostra a crua situação econômica em que vivemos, como também nos leva a várias reflexões:
1- Há algo de podre no sistema democrático capitalista. Parece cada vez mais absurdo viver em um sistema que não controla mais nada, permite especulações de derivativos a rodo, engodo dos investidores, corrupção solta aliada ao governo e que, principalmente no Brasil, deixa pessoas miseráveis ter filhos às pencas, deixa os transportes coletivos à míngua para regozijo das montadoras e dos engarrafamentos e vive com um poder legislativo que só faz besteiras respaldado por um judiciário leniente. Mas, então, qual seriam as alternativas ao sistema democrático capitalista, onde muito poucos levam "o melhor", poucos levam a melhor e a maioria sustenta tudo isso ou nem sequer se sustenta? Temo e tremo só de pensar em algumas...
2- Cada país é um universo diferente. As privatizações massacraram e afundaram a Islândia, como é mostrado de forma dramática no início do filme. As privatizações bancárias foram catastróficas, com o absurdo de banqueiros tomando milhões emprestados de forma escusa dos seus próprios bancos, mergulhados em uma alavancagem brutal, para comprar suas luxuosas posses, nunca pagando de volta, levando-os à falência.
3- Sim, caro amigo. Eu, você, a garotinha mais ou menos bonitinha da escola, qualquer cidadão comum e também o bando de pessoas que se acham grande coisa, desde alguns pedantes professores e pesquisadores (de nada) universitários, escritores, atores e cantores medíocres de sucesso duvidoso e até exibicionistas de facebooks, orkuts, youtubes e BBBs da vida, não passamos de nada, de amebas em meio a paramécios e bactérias, quando comparados aos gigantescos tubarões e orcas que mandam e desmandam no mundo. Se alguns pobres coitados pensam em alguns milhares ou milhões em toda a sua vida, esses predadores monstruosos trabalham com milhões ou bilhões no seu dia a dia e não fazem muita questão de aparecer ostensivamente. Aparecer é para a gentalha e os “bregas”. Os que acreditam que influenciam gente mais acéfala ainda. Por isso o ser humano recorre a Deus, para acreditar que alguém se preocupa com ele. Não fosse assim, enlouqueceria.
É hora de mudar.
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Sem medo de dar grandes passos, afinal não se pode atravessar um abismo com
dois pulinhos.
Há 12 anos
8 comentários:
Simplesmente seu comentário foi esclarecedor e fantástico. Todos deviam ler esse blog. Concordo plenamente que toda a humanidade é submetida a poucos homens. Reagan, Buschs (pai e filho), Clinton e Barak Obama não passam de marionetes ridículas desses canalhas. E pior é quem copia os EUA, o bando de Maria vai com as outras.
Um abraçp, Jânio
De Maguinha:
Vou ter que assistir esse filme de qualquer jeito! Ainda mais depois das suas sempre grandiosas explanações, meu mestre.
Muito obrigado pessoal. É bom saber que ainda tem gente que lê meu blog. O que importa não é quantidade, mas a qualidade de vocês que lêem (desculpem o chavão)!
De Marcos:
O melhor do Oscar? Com certeza sim. O que não mostra como é grande esse documentário, pois o Oscar é muito pequenao para ele.
Não gosto de documentários, mas esse deu para entender a fome capitalista do mundo sem escrúpulos. Robson Luiz.
De Jânio:
Ouvi falar de que fizeram um filme baseado no livro frekonomics. O senhor já assistiu? Vale a pena?
Li o tópico posterior a este minutos atrás e me deparei com esse. Muito bom. Diria até, excelente. Procurarei assistir "Inside Job".
Respeitosamente, Dr. Bruno W.
Jânio, parece que você leu meus pensamentos. Assisti o filme sim e em breve comentarei.
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