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quarta-feira, 16 de março de 2011

O jogo que me fez gostar de futebol.


Pode parecer estranho, mas o jogo que me fez gostar de futebol não foi assistido em um estádio. Não tinha meu time presente. Foi assistido em uma televisão ainda em preto e branco, em 1975, quando eu tinha já dez anos. Mas tinha dois grandes times de cada lado, como não existem mais no nosso Brasil. Mas tinha um verdadeiro futebol, que me encantou para sempre, que jamais saiu de minha memória. Um futebol onde havia craques de verdade, jogadores que jogavam duas a três vezes por semana e não se cansavam nem se contundiam. Público de verdade, que lotava estádios. Juízes que, apesar das mesmas deficiências de sempre, não prendiam o jogo marcando faltinhas ridículas e distribuindo cartões a rodo. Não havia boicotes escandalosos de jogadores, desmanches de times, mudanças sem sentido de camisas e escudos para vender uniformes a preço de ternos finos. Mas tinha, sobretudo, meu pai do meu lado. E torcíamos neste dia para o mesmo time ganhar.

Era um domingo. Dia 07 de dezembro de 1975. As semifinais do campeonato brasileiro eram disputadas entre os dois melhores colocados de dois grupos de oito times, em partida única na casa dos primeiros colocados. A partida em questão era entre o Fluminense, chamado “A Máquina”, tamanho seu poder de destruição, primeiro colocado no grupo A (o segundo foi o Cruzeiro) e o Internacional, um dos maiores times que jamais existiram nos anos 70, segundo do grupo B (o primeiro foi o Santa Cruz, à época o rei do Norte-Nordeste). O cenário era o Maracanã, o maior estádio do mundo (hoje transformado em um anão disforme, pela europeização do nosso futebol). O público, 97.908, comum para aquela época. O Fluminense jogaria com Félix, Toninho, Silveira, Edinho e Marco Antônio; Zé Mário (Carlos Alberto Torres), Paulo César Caju e Rivelino; Gil, Manfrini e Zé Roberto (Cléber). Seu técnico era Didi. O Internacional, com Manga, Valdir, Figueroa, Hermínio e Chico Fraga; Caçapava, Paulo César Carpegiani e Falcão; Valdomiro (Jair), Flávio e Lula. Seu técnico era Rubens Minelli. À frente da modesta televisão, meu pai, torcedor ferrenho do Galícia, e eu, filho único, torcedor do então grande Bahia, para desgosto dele (em um tempo onde os filhos ainda se preocupavam em agradar os pais, cansei de dar apoio a ele em jogos do Galícia na Fonte Nova). Torcíamos para que o Inter derrubasse a “Máquina” em pleno Maracanã. Eu, confesso, morria de medo do Fluminense e não tinha muita fé. Perguntava ao meu pai se o Inter conseguiria tal façanha, e ele, olhando para mim sorrindo, sabendo tudo de futebol, dizia: “fácil, fácil, vai dar Inter”. E foi o que vimos. Um jogo maravilhoso, de pura técnica, onde o Inter parecia não tomar conhecimento do grandioso Flu. Não o enfrentava de igual para igual, mas o superav e o envolvia em jogadas imortais. Prendia-o com uma tática magnífica. Uma defesa onde Figueroa reinava absoluto. Um meio campo espetacular (Falcão e Carpegiani!) e um ataque "matador". Coisa de filme. Lula fez 1x0 aos 33 minutos do primeiro tempo. O Inter mandava e desmandava, embora o Flu, também recheado de craques, jogasse bem. Desmontava calmamente a letal “Máquina” com uma precisão impressionante. Carpegiani marcou 2x0 aos 29 do segundo tempo e despachou um grandioso rival de uma vez por todas.

A partir desse dia passei a acompanhar de verdade futebol. Passei até a ler a revista Placar (a verdadeira) toda semana. Os jogos que me afastaram do futebol eu nem me lembro, tantos que foram nos últimos anos. Na outra semifinal, o Cruzeiro, que tinha também um time épico (seria campeão da Libertadores de 1976) ganhava do maior time que o Santa Cruz já teve, por 3x2, em Recife. No dia 14 de dezembro de 1975, o Inter sagrou-se campeão ao ganhar de 1x0 d0 Cruzeiro no Beira Rio, gol de Figueroa aos 11 minutos do segundo tempo. Essa seria a última partida que eu e meu pai veríamos juntos. Pouco mais de três meses depois, ele faleceria na data de 15 de março de 1976, há exatos 35 anos atrás. No atestado de óbito, edema pulmonar por falência cardíaca. Típica e frequente saída que os médicos usam até hoje quando são incapazes, ou mesmo incompetentes, de descobrir o que matou o paciente.

7 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente fantástico, comovente e gostoso de ler. Feliz de você que pôde ver esse jogão.

De Wilson Gusmão

Anônimo disse...

Com sua narração fantástica cheguei a ver o jogo, só que naquele dia ouvia o meu santinha perder para o cruzeiro pela PRA8, RADIO CLUBE DE PERNAMBUCO, com a vibraçao do maravilhoso Ivan Lima. Chorei muito naquela tarde.

Anônimo disse...

Bons tempos aqueles. Notem Edinho, hoje técnico, na extrema direita de quem observa a foto. Quando penso naqueles times e vejo os de hoje, com alguns idiotas dizendo que o futebol atual é melhor, também tenho vontade de chorar.

Anônimo disse...

Que contraste com hoje, onde os falsos craques jogam duas partidas por mês... Conseguiram matar meu Santa Cruz e o futebol do Norte Nordeste. Parabéns às federações estaduais, aos clubes, à CBF e aos "jogadores".

De Tricolor Pernambucano

Anônimo disse...

Meu amor, não vou falar de futebol, pois não entendo muito... rsrs. Quero falar da sua sensibilidade e da maneira linda como fala do seu pai..... Suas palavras sempre me comovem.
Vc é um gênio e os gênios são assim mesmo, diferentes e especiais...
Amo vc!!!!!
Dalvinha.

Fabrício disse...

Serjão, não pude ver meu Intert jogar essa partida, até porque eu ainda não tinha nascido! Além de só começar a torcer para o Inter em 87, então com 10 anos de idade. Foia época de Taffarel, Aguirregaray e outros jogadores, longe de ser o grande time de Falcão.
Obrigado por me contar um pouquinho da história do Inter.
Grande abraço!
Fabrício

Sérgio Ricardo disse...

Obrigado a todos pelos comentários, especialmente a minha amada Dalvinha. Beijaão para ti, minha musa.

Um grande abraço para você grande Fabrício! O único que me fez conseguir gostar da língua inglesa na minha vida! E sucesso ao seu Inter.

Aos torcedores do Santa, calma. Mesmo preferindo o Sport, tenho certeza que o Santinha vai sair dessa, começando pela vitória ontem sobre o São Paulo e provavelente faturando o Campeonato Pernambucano.

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