Este excelente filme conta a história do Dr. Jack Kevorkian, o "Dr. Morte", com um elenco de peso, contendo atores como Al Pacino, Susan Sarandon, John Goodman. Foi um dos melhores filmes que já assiti, complexo, instigante e um pouco chocante e depressivo. Quer você tome partido contra ou a favor Jack Kevorkian, ou não consiga definir sua posição perante seus atos, o filme vai lhe inquietar. Para mim, uma das melhores atuações de Al Pacino (como Kevorkian), merecendo de forma imbatível um Oscar (bem melhor do que o seu papel no fraco e chato “Perfume de Mulher”). Al Pacino está idêntico a Kevorkian, inclusive nos gestos, no tom de voz e na postura. Nos EUA, o longa fez sucesso total, não tendo previsão de quando vai passar aqui no Brasil, de forma que peço desculpas por manter o título em inglês. É baseado no livro “Between the Dying and the Dead: Dr. Jack Kevorkian’s Life and the Battle to Legalize Euthanasia”, de Neal Nicol e Harry Wylie.
Quem quiser saber mais sobre Kevorkian, deve procurar na internet que vai achar farto material. Resumidamente, Kevorkian preconizou o suicídio de pacientes com doenças terminais na década de 80, criando metodologia própria, mas sempre envolvendo o consentimento do paciente e/ou parentes e o paciente era quem deflagrava a sua própria morte, com o equipamento por ele criado. Também filmava tudo, como prova documental. Kevorkian foi julgado quatro vezes por suas práticas: foi absolvido em três delas e um dos julgamentos foi anulado. Ficou preso por alguns anos (levou-se em conta a sua idade avançada), pois ousou ele mesmo praticar de forma direta a eutanásia de um paciente com esclerose lateral amiotrófica (doença terrível, incurável, incapacitante e que leva progressiva, lenta e inexoravelmente à morte, com paralisia muscular). Kevorkian ainda mandou o material para exibição na TV, o que foi considerado uma afronta à justiça (queria ele mesmo gerar a discussão sobre o assunto ou ganhar fama?). Nesse último julgamento, caiu em armadilhas judiciárias pois se expôs a isso, de forma que nem os parentes da vítima (que eram a seu favor) foram lconsiderados como testemunhas pela juíza. O interessante, é que apesar da oposição cerrada de boa parte das pessoas a Kevorkian, muitos o apoiavam, e algums pacientes terminais clamavam por ele, um deles chegando a comparar o seu ato como um presente que lhe seria dado.
Existe um outro problema que transcende a eutanásia. Estaria fazendo o Dr. Kevorkian por amor e piedade (sua mãe morreu em grande sofrimento, o que pode ter lhe traumatizado), por convicção de profissionalismo, por desejo de fama (chegou a ser capa da revista "Time") ou por prazer não declarado pela morte dos outros? Ou por quaisquer dessas razões combinadas? O interessante é que Kevorkian, descendente de armênios (que sofreram holocausto igual na mão dos turcos, na primeira grande guerra, ao que sofreram os judeus pelos alemães na segunda), também fez pinturas interessantes, que nos ajudam a ter uma leve percepção de sua mente inconformada e inquieta. Seria ele uma pessoa imbuída de boas intenções, um afixionado pela morte, o defensor de uma ideologia extrema ou o maior serial killer de todos os tempos, com mais de 130 mortes? Seu perfil, aparentemente, não coincide com o da maioria dos seriais killers. Suicídio assistido poderia ser considerado legal, já que induzir alguém ao suicídio é crime? Eutanásia é assassinato?
Não vou discutir detalhes filosóficos nem religiosos, nem tampouco defender ou acusar, o que pode decepcionar quem estiver pacientemente lendo o que escrevo ou suscitar opiniões de que não quero me envolver em encrenca. Mas, seja você a favor ou contra a eutanásia, cabem ainda as seguintes perguntas para reflexão:
Caso alguém não suporte mais a sua condição terminal, não teria o direito de decidir se quer continuar vivo ou não? Se for encarado como pecado decidir morrer para aliviar um sofrimento, por que Deus condenaria essa pessoa se Ele permitisse um sofrimento impossível de suportar, quando se é quase consenso bíblico que Deus admitiria um “limiar” de sofrimento suportável a cada um dos fiéis filhos, conforme, portanto a capacidade individual? Quais as principais diferenças e limites, e como determiná-los, entre eutanásia, suicídio assistido e indução de suicídio? Quais os limites da eutanásia, já que algumas doenças poderiam ser, quem sabe, curadas por nova terapêutica em desenvolvimento? Aberta essa janela, que doenças se candidatariam para uma eutanásia ou suicídio assistido, já que não há consenso científico? Até que ponto um doente terminal com extrema depressão ou com lesões cerebrais poderia decidir sobre a sua morte?
É hora de mudar.
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Sem medo de dar grandes passos, afinal não se pode atravessar um abismo com
dois pulinhos.
Há 12 anos
4 comentários:
De Jânio: preciso dar um jeito de ver esse filme, não só pelas questões de Bioética que ele levanta mas também para ver Al Pacino. Além disso, confio na tua indicação, mestre...
Refletido sobre as diversas perguntas. É difícil tentar estabelecer algo sobre o assunto. A postagem pode deixar alguns apenas mais confusos, mas essa confusão é apenas uma sábia reflexão que em breve haverá de se traduzir em alguma resposta. Por hora, ainda estou em processo reflexivo.
Suscitei a discussão teológica do assunto com Tio Sandro, e surgem mais dúvidas.
Ainda não vi o filme, mas pelo que pude ler, sinto que assitirei-o em breve.
Relacionado a este assunto, assisti o filme "Mar Adentro" não sei se o Sr. já assistiu, muito bom e com uma excelente atuação de Javier Bardem,.
Quando ver este, comentarei com mais conhecimento de caso!
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