Este filme merece todo o nosso respeito. É uma verdadeira obra de arte que deve ser degustada lentamente e com atenção, com um elenco arrasador, com destaque para Christopher Plummer, Helen Mirren e Paul Giamatti, para mim um dos maiores atores da atualidade, versátil e profissional. O filme conta a fase final da vida de um dos maiores escritores de todos os tempos, Leon Tolstoy (ou Tolstoi), autor, como todos sabem, de obras primas como Guerra e Paz e Anna Karenina. Tolstoy, interpretado de forma grandiosa por Plummer, já está velho e no final da vida. Tornou-se um fanático religioso, fundador de seita, de forma que os seus seguidores auto denominam-se “tolstoyanos”. A religião idealizada por Tolstoy, que passou a se vestir como um monge, embora tivesse muitos bens (que sempre que pode divide), é baseada no amor a Deus e ao próximo, na divisão de bens e na igualdade social. Era completamente contrária à violência e ao controle de autoridades jurídicas. Isso o leva a inevitáveis conflitos com a sua esposa, a condessa Sofya Tolstaya (interpretada por Helen Mirren, cada vez melhor atriz, se é que fosse possível, e sabendo envelhecer com dignidade, ao contrário de certas pseudo-atrizes canastronas e insuportáveis). É óbvio que a condessa não deixa de ter as suas razões para os excessos de fanatismo do marido e de uma das filhas do casal, dilapidando o patrimônio da família de forma despreocupada. O melhor amigo de Tolstoy, Vladimir Chertkov (Paul Giamatti) é o maior defensor da sua ideologia, até mais que o próprio Tolstoy, chegando a influenciá-lo pesadamente após ter sido “cria” dele e também se tornando o maior adversário de sua esposa. Giamatti, aliás, merecia há muito tempo um maior respeito e um Oscar.
Duas coisas chamam a atenção no filme. Os diálogos de Tolstoy são fantásticos. Em um deles, afirma que todas as religiões têm uma coisa em comum: o amor. Infelizmente, o grande Tolstoy esqueceu, como bom idealista, que todas as religiões têm também em comum a formação de hierarquias internas e a presença inevitável de pessoas que criam “cleros” privilegiados, ávidos de poder, de boa vida e do dinheiro dos fiéis. Tolstoy é tão humilde que em um momento afirma ao seu interlocutor, um jovem, que o considerava melhor “tolstoyano” até do que ele próprio, numa cena antológica. Admite com grandiosidade os erros cometidos no passado, como um bom cristão deve fazer, bem como que, apesar de não mais fazê-los e ter se arrependido, ter às vezes saudades de alguns deles. Ou seja, ressalta a máxima virtude: saber se controlar frente às tentações do mundo por mais mudado que esteja o seu caráter. Tolstoy, diferentemente da grande maioria dos líderes religiosos, não se considera acima dos outros nem tampouco um líder espiritual irretocável. Afirma que “não escrevo para as editoras, escrevo para as pessoas”. Que contraste em comparação com certos escritores medíocres da atualidade! Por isso Tolstoy foi único. Por isso ouso dizer, em minha modesta opinião, que a literatura russa, com Dostoyevsky (meu escritor preferido), Tolstoy, Gogol e outros, conseguiu ser a maior de todos os tempos, superando mesmo as respeitáveis literaturas francesa (com Balzac e Proust) e inglesa (com Shakespeare).