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terça-feira, 13 de abril de 2010

Quarteto para o Fim dos Tempos 1.

Ouso usurpar o nome de mais uma obra para usar como título. Desta feita, uma das minhas obras preferidas da música erudita contemporânea, considerada uma das peças de câmara mais importantes do século XX, composta para piano, clarinete, violino e violoncelo pelo francês Olivier Messiaen. Messiaen é considerado por alguns como o maior compositor do século passado, embora pessoalmente eu discorde, preferindo Stravinsky para ocupar tão honrado posto. O quarteto foi composto enquanto Messiaen era prisioneiro em um campo de concentração e seu título refere-se tanto ao apocalipse quanto ao fim dos tempos musicais organizados de forma regular. Aqui me refiro ao fim dos tempos mesmo. Ou melhor, da esperança neles, já que nunca existiram. Tempos em que se pensava haveria ética, moral e vitória da humanidade sobre as injustiças. Chamo de quarteto, pois quatro notícias estampadas na Folha de São Paulo de hoje ilustram bem o que eu quero mostrar:

1- A primeira notícia é: “Cientistas testam droga alucinógena contra a depressão”. Como se não bastasse acreditar plenamente que conversas que se prolongam por anos a fio e medicamentos com centenas de efeitos colaterais fossem capazes de curar ou melhorar depressões que muitas vezes têm fundo na insatisfação cada vez maior do ser humano com a sua condição de insucesso pessoal, econômico e/ou social, querem agora os doutores da ciência usar drogas alucinógenas, caminhando por uma estrada que não se sabe onde pode dar. Para mim, é dar carta verde para a fuga total da realidade, dos compromissos e da sociedade. Sempre me pergunto quem sustentaria isso:

“Um congresso internacional que começa nesta semana nos Estados Unidos vai reunir cientistas do mundo inteiro para discutir as possibilidades terapêuticas de alucinógenos contra problemas como depressão, transtorno obssessivo-compulsivo, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. (...) Um deles (dos estudos), realizado na Johns Hopkins University, mostra que a psilocibina - princípio ativo de cogumelos sagrados usados em rituais indígenas - induz mudanças positivas no comportamento, no humor e nas atitudes, efeitos que duram meses após a ingestão da droga. (...) "Alguns cientistas têm se interessado em estudar essas drogas para casos que não respondem à medicação clássica", diz a psiquiatra Camila Magalhães, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, de São Paulo, e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. "Essas drogas propiciam experiências que a pessoa não tem com o uso da medicação. No entanto, há um risco muito grande de expor o indivíduo aos prejuízos que os alucinógenos podem causar." "Não se sabe como a pessoa vai reagir. Em pessoas com predisposição, podem levar a distúrbios psiquiátricos". "É preciso avaliar muito bem o custo-benefício desse uso, o risco é muito grande", concorda o toxicologista Anthony Wong, chefe do Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica), do Instituto da Criança do HC de São Paulo.”

2- A segunda usa uma desculpa esfarrapada para acobertar crimes: “Homossexualidade leva à pedofilia, diz igreja.”

“O Vaticano lançou uma dupla frente de defesa ontem no escândalo das suspeitas de abusos sexuais de menores por padres, com a divulgação de suas diretrizes internas sobre o tema, nas quais recomenda a denúncia à Justiça civil, e com a declaração de seu número dois, no Chile, de que a pedofilia não tem ligação com o celibato e sim com o homossexualismo. "Muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros demonstraram que há entre homossexualidade e pedofilia", disse o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, em entrevista coletiva em Santiago reproduzida por agências de notícias.”

Acredito que a pedofilia, uma das mais abomináveis sexofilias, o “vício” mais difícil de se libertar alguém, tenha causas complexas, que não cabem a mim comentá-las. Acredito também que o celibato em si não responda por desvios sexuais nem de caráter. Mas tentar justificar um pecado vil evocando uma outra condição é mais uma prova de intolerância e ignorância da igreja católica.

3- A terceira demonstra mais uma pedra no descaso contra a educação em nosso país, uma das piores do mundo: “SP muda aluno de série durante o ano letivo”:

“Cerca de 13 mil alunos da rede estadual de São Paulo que cursavam o primeiro ano do ensino fundamental foram transferidos para o segundo ano semanas depois do início das aulas. As escolas têm consultado os pais para saber se eles querem que o filho mude de série. O governo permitiu a mudança alegando estar pressionado pelo Ministério Público, devido à alteração em 2010 no ensino fundamental, que passou de oito para nove anos.”

E assim se empurra com a barriga as deficiências. Acham, em outro exemplo, que as cotas vão reparar os defeitos (logo, assumidos descaradamente) do ensino público na universidade, como se ela, com todos os seus problemas e carências, tivesse condições de fazê-lo. Quando fui aluno de Ciências Econômicas na UFBA, muitos dos meus colegas não sabiam nem resolver um sistema de equações do primeiro grau (do primeiro mesmo!) e ali estavam. E nem existia o dito sistema de cotas. Enquanto não se consertar o ensino básico no Brasil, ruim tanto público quanto particular, continuaremos a figurar em estatísticas educacionais vexatórias no mundo.

4- A quarta é emblemática do Brasil: “Após dois meses, Arruda deixa prisão no DF”. Não vou perder tempo comentando tão asquerosa notícia, pois é nosso dia a dia e já cansou a todos mais um desses “prêmios” que o STJ dá ao país. A imagem de Arruda, um senhor vetusto de cabelos e barbas brancas, saindo da prisão ao lado de uma mocinha com cara de ser sua neta e que se dizia sua esposa (por que será que é sempre assim, hein? - ponto negativo para o feminismo) traduz a mais profunda vergonha dos sistemas político e judiciário no Brasil. No oitavo círculo do inferno de Dante, Malebolge, os ladrões eram punidos em uma cova com serpentes cruéis. Aqui são recompensados e eleitos, dia após dia. Ou, pior ainda dizendo, são as próprias serpentes e nós os condenados nesse Malebolge que parece não ter fim.

4 comentários:

Anônimo disse...

De um aluno: Parabéns Serjão! Além dos excelentes comentários, derramando erudição como sempre. Vou ver se acho a tal música para escutar, mesmo que meus ouvidos não ainda não tenham o treino certo para ouvir esse gênero musical.

Anônimo disse...

De Mônica: Com certeza. Todo véi babaca rico compra como mulher ou namorada uma moça. Ponto negativo mesmo para o feminismo. A mulher vira objeto de consumo e o véi candidato a porta galhos.

Dalvinha disse...

Sempre fazendo comparações explêndidas e ricas em conteúdos.. sempre nos presentiando com sua erudição...
Grande escritor! Não tem como não concordar com vc. a igreja, agindo sempre como nos tempos medievais...ou pior! os políticos como vc falou.. despensa comentários...as mulheres... uma vergonha!

Dr. Livigstone Tavares disse...

Em relação a música erudita, sequer ouso comentar diante do colossal erudito que és.

Já sobre as notícias, me aventuro a comentar.
A primeira, a respeito das drogas alucinógenas para o tratamento da depressão. Só não digo que há muito tempo não ouvia um absurdo assim, pq em nosso país todo dia a política nos traz absurdo de igual tamanho. Os efeitos alucinógenos não podem ser controlados, são muito particulares, e pode causar estragos maiores do que o benefício de deixar um deprimido "viajando", e feliz na "viagem".

Sobre a segunda notícia... Se não é o homossexualismo que relaciona os padres a pedofilia (como realmente não é, pois homossexuais não são pedófilos), então a idéia que me vem é ainda mais aterradora. Os pedófilos procuram ser padres, para ter "acesso" as crianças. Pense nisso.

A terceira notícia acerca da educação sequer me surpreende. Nos meus anos de trabalho com a educação pública vivenciei situações bem mais lastimosas.

E por fim, não sei se comento sobre a libertação de Arruda, ou sobre a senhorita que o acompanhava. Melhor não falar de nenhum dos dois. Sobre a soltura, iria eu levantar questionamentos infatigáveis sobre direito e a fantasiosa justiça. Se falasse sobre a mocinha, seria pior, gosto de bater no feminismo, só iria arrumar encrenca aqui.

Doutor, espero que as próximas reportagens que senhor vier a ler na Folha de São Paulo sejam menos trágicas.

Abraços

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