Se você, caro amigo, tem a minha faixa etária e também é trabalhador assalariado, fique tranquilo (se seu parâmetro ético é só esse), pois você já faz caridade mais do que suficiente sem nem saber:
a) Em primeiro lugar, pago uma quantia imensa de planos de aposentadoria compulsórios. Sou obrigado a pagar mais de 10% de minha renda bruta do estado e da universidade com os seus planos de aposentadoria, que, pasmem, são individualizados e excludentes, além do INSS, que também pago. Como estamos em um país democrático, não posso optar por não fazê-lo. Logo, contribuo para a aposentadoria de todos nesse país. O que me deixa chateado é a presença no meio de pobres aposentados de algumas pessoas que: 1- ganham aposentadorias especiais estranhas ou pensões exorbitantes do cônjuge falecido (mesmo tendo muitas vezes empregos bem remunerados); 2- mulheres que nunca se encaixaram nem se encaixarão na teoria da “dupla jornada” e se aposentam mais cedo; 3- trabalhadores rurais (que não contribuem com um centavo para o INSS) falsificados (nunca trabalharam no campo, mas são amigos de certos políticos); 4- sortudos que pegaram o trem da legislação anterior e voltaram a ocupar cargos remunerados; 5- aposentarias e auxílios doença fraudulentos, etc., etc. Ora, pode-se argumentar que um dia me aposentarei. Já fiz o cálculo, considerando que eu tenha a sorte de atingir a idade média de vida do sexo masculino no nosso país. Esse dinheiro nunca vai voltar para a minha mão, ainda mais que há uma redução no que se recebe e há um limite para o número de aposentadorias de cada um. Mesmo ainda porque, como diz a tatuagem do personagem principal do filme “Dia de Treinamento”: “a morte é certa, a vida não”.
b) Em segundo lugar, contribuo para a redução da energia elétrica de muitas pessoas, ao pagar uma conta exorbitante. Como já bem definiram, o preço da energia elétrica que uma família da classe média paga no Brasil é dos mais caros do mundo, só comparável a países ricaços e de população abastada. O mesmo vale para a água, telefonia, etc.
c) A seguir, vem a mensalidade da escola de meu filho, que sobe todo ano. Ela é cara, pois o custo das inúmeras bolsas que a escola e o governo dizem que subsidiam na verdade recai sobre os pais que tiram dinheiro do bolso.
d) Comprometendo parte considerável do meu orçamento, dizimando (ô palavrinha bem posta!) ou melhor, comendo mais de 10% do que ganho, vem o pagamento do plano de saúde, que ainda é dos mais baratos. Como eu, especialmente, bem como meus dependentes pouco usam dele, estou pagando caro porque um número imenso de outras pessoas usam e algumas até abusam. Empresas de saúde têm bom lucro em todo mundo. O que todo paciente e médico deveriam refletir é que no Brasil não seria diferente e para se usar demais um plano, a conta deve ser dividida por todos. Mas comentarei melhor a crise dos planos de saúde em outra postagem.
Existem outros exemplos. Já falei em outra postagem sobre as “meias”. Não discuto o caráter humanitário, mas sim a penalização que sofre a classe média, muito mais do que os ricos, bem como o caráter compulsório de extorsão da previdência e de outros impostos e taxas (vide IPTU e a taxa do lixo), desatualizado e de critério extremamente passível de falhas. Em livros de economia do setor público, temos que um imposto deve ser progressivo de acordo com a renda. Mas também temos que serviços públicos (saúde, educação pública, segurança, etc.) devem ser acessíveis igualmente a todos os grupos sociais. Sejam ricos ou pobres. São princípios básicos e mundiais. Mas não estamos falando somente de impostos e bem sabemos que o sistema de alíquotas no Brasil é medieval, desproporcional para o que se ganha na classe média e com poucas categorias, nivelando ricaços a remediados. Ainda mais que todos nós sabemos que esse dinheiro “caridoso” não vai exatamente para as mãos de quem queríamos.
Como diriam os títulos dos filmes da imbatível e maravilhosa trilogia do grande cineasta polonês Krzystof Kieslowski: “a liberdade é azul, a igualdade é branca e a fraternidade é vermelha”. Ouso hereticamente completar: em verdade, todas elas são também translúcidas ou opacas. Mais ou menos, a depender do país.
É hora de mudar.
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Sem medo de dar grandes passos, afinal não se pode atravessar um abismo com
dois pulinhos.
Há 12 anos
4 comentários:
Caro Sérgio. É bem verdade que a classe média subsidia todas essas coisas. E hoje, com toda certeza foi feita bem mais de uma doação pelo senhor. Não posso deixar de citar um caso que presenciei quando estagiário da Companhia Pernambucana de Saneamento. Vi chegar uma senhora elegante, dirigindo uma Blazer, me apresentou seus documentos e seu cartão da BOLSA FAMÍLIA. Fiz o cadastro dela para ela pagar apenas 30% do valor da conta de água, assim que ela saiu à gerente do escritório me autorizou a rasgar a ficha dela. Disse-me que ela é conhecida na cidade por ter dinheiro, que o carro é dela, e que através da política local ela tem bolsa família, e sabe que essa criatura teve na audácia de querer pagar a taxa da baixa renda, de 7 reais de água. Esse é apenas um dos exemplos da carência de critérios e da zona que rola em nosso país. Estou na casa de um colega, e escutei agora na cozinha uma conversa, sobre aposentar a tia dele que nunca pegou em uma enxada como agricultora. Que triste coincidência. Acho que é hora de parar de falar pois aparentemente nunca vai ter fim.
E por aí vai todo o dinheiro de quem paga impostos. Malham senadores e deputados, o que é mais do que certo, mas esquecem os milhares de prefeitos e vereadores corruptos espalhados pelo nosso país. Fazendo as contas, acho que o prejuízo causado por eles é infinitamente maior do que o daqueles.
Comprovando sua tese em números: São 1.059 Deputados Estaduais, 5.561 Prefeitos, igualmente 5.561 Vice-Prefeitos, e "apenas" 60.320 Vereadores.
Grato pelo achado dos números Livi. E cabe uma pergunta: para que treminam servindo de fato os vereadores? Para fiscalizar a prefeitura é que não é. Para criar projetos que sejam de fato úteis, tampouco. Só servem, em sua maioria, para gastar dinheiro que seria utilizado pela cidade, para empregar parentes e amigos e usar o cargo como escada política para cargos (entenda-se mamatas) superiores. Francamente, sou da radical opinião de que deveriam ser extintos.
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